Judicialização da saúde mostra divergências entre instâncias

Estudo mostra que usuários nem sempre têm êxito em ações judiciais

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A judicialização da saúde no Brasil é o fenômeno pelo qual as pessoas buscam garantia de acesso às ações e aos serviços públicos de saúde por meio de ações judiciais. Ela às vezes é necessária, pois a política de saúde pública é permeada de contradições. É o caso do Sistema Único de Saúde (SUS). No discurso, trata-se de uma política universal com princípios e diretrizes que deveriam ser aplicados uniformemente a todo território nacional. Não é o que ocorre. Desta forma, os usuários acabam tendo que procurar alternativas para garantir seus direitos, sendo uma delas a judicialização.
 
Mas enquanto instituições como o Conselho Nacional de Justiça, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS e a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgam recomendações diante da complexidade do tema, o Judiciário ignora boa parte das principais discussões, que nem sempre chegam aos autos. Existe também um distanciamento decisório entre a primeira e a segunda instâncias e da atuação das Organizações não Governamentais (ONGs).
 
Essas conclusões estão no estudo de mestrado da advogada Keyla Ketlyn Passos Pimenta, que foi desenvolvido na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) e realizado na comarca de Campinas. A legitimação nas decisões pelos magistrados, quando o tema é o SUS, ainda não está livre dessas divergências. “O trabalho com essa comarca revela muito sobre a judicialização da saúde pública no país, sinalizando uma realidade ignorada em nível dos ‘autos processuais’ dos tribunais: existe muita incongruência entre as posições dos juízes de primeira e de segunda instâncias.”
 
Em uma realidade local, em que o fenômeno da judicialização da saúde pública não contempla os extratos mais baixos da sociedade e é permeado pelas pouco esclarecidas relações entre seus atores, o Judiciário se mantém à margem da realidade dos fatos, que vai muito além dos aspectos jurídicos.
 
Na opinião da pesquisadora, essas conclusões não deslegitimam ou desqualificam completamente a interferência judicial, mas apontam sim que o Judiciário carece de conhecimento sobre os elementos da realidade em que atua e que, agindo de forma não articulada, como os outros membros do poder público, não consegue mitigar o problema da saúde pública brasileira.
 
Campo
No estudo, Keyla avaliou o fenômeno da judicialização com foco em um conjunto de ações judiciais, partindo da análise de uma amostra recente de processos judiciais da comarca de Campinas. Buscou descrever como a justiça comum civil de primeiro e de segundo graus do Estado de São Paulo, nas ações advindas da comarca de Campinas, tem se manifestado sobre o acesso às ações e aos serviços públicos da saúde; e em descrever e analisar os elementos do contexto dessas demandas judiciais.
 
A autora do estudo entendeu como elementos todas as informações constantes dos processos que tenham sido julgadas pertinentes para a análise do fenômeno, como a idade do autor, a patologia que o acometia, a descrição do pedido, o lapso temporal da decisão.
 
Também entraram nessa análise os elementos não explicitados nas ações, mas que foram do conhecimento de Keyla por meio de advogados ou de outras instituições envolvidas nos processos, como a atuação de organizações, a condição econômica do autor, entre outros.Ela contou que, como o estudo nasceu de um programa interdisciplinar da FCA, o enfrentamento da problemática trouxe uma análise integrada entre elementos do direito e da gestão pública.
 
Resultados
As pessoas recorrem ao Judiciário, no caso da saúde pública, quando não têm suas demandas atendidas pelo SUS. Isso ocorre das mais diversas formas. São muitos os casos, desde pessoas que pedem por tratamentos milionários no Exterior até aquelas que pedem medicamentos rotineiros que não foram disponibilizados.
 
No Brasil, a tentativa de resolver conflitos políticos em saúde por meio do Poder Judiciário tornou-se relevante somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. A Carta Magna possibilitou a atuação do Judiciário em matérias que eram a priori apenas da alçada dos poderes Legislativo e Executivo.
 
Afastando-se do sistema constitucional anterior – que permitia, por meio da legislação infraconstitucional, limitar a assistência terapêutica aos segurados da Previdência Social (art. 165, inciso XV, da Carta Magna de 1967) –, a Constituição consagrou a saúde pública como direito social de todos os brasileiros (art. 6º). A partir daí, o fenômeno se desenvolveu.
 
Verificou que os de primeira instância mostraram mais elementos de convicção em suas decisões em relação ao deferimento ou indeferimento do pedido dos autores das ações estudadas. Tal variedade ligou-se à patologia dos autores, ao tratamento pedido, à urgência e às convicções de cada julgador.
 
De forma geral, em primeira instância, 58% das decisões deferiram (houve concessão) o pedido do autor, 37% indeferiram e 5% deferiram parcialmente. Já, em segunda instância, observou-se padronização das decisões para o deferimento dos pedidos dos autores, sendo que 89,5% das decisões do tribunal foram totalmente favoráveis aos autores, 7% parcialmente favoráveis e 1% não favoráveis.
 
Esse distanciamento decisório tem relação com a posição adotada pelo tribunal estadual, que segue as orientações dos tribunais superiores. Por outro lado, a maior variedade de decisões encontradas em primeira instância é mais complexa de ser explicada.Uma hipótese é de que a proximidade entre o juiz, patronos, autor, réu e inclusive administradores públicos locais é maior e faz com que o julgador pondere mais em suas decisões, considerando elementos específicos de cada caso concreto, não se vinculando tão fortemente às orientações dos tribunais superiores.

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