A consultora Kelly Rodrigues mudou sua trajetória profissional depois de uma experiência traumática como acompanhante. Profissional formada em Relações Públicas e então superintendente de Marketing em uma empresa na área hospitalar, ela sentiu na pele o despreparo das instituições de saúde do Brasil no atendimento ao público durante uma fase difícil de sua vida, quando recebeu a confirmação de diagnóstico de câncer de sua mãe.
“Para se ter uma ideia, ela estava sozinha no quarto quando deram a notícia. Foram experiências muito impactantes em toda a jornada, que me mostraram o quanto a gente não ‘enxergava’ o paciente. Infelizmente, o câncer era superagressivo e minha mãe acabou falecendo em um ano”, lembrou Kelly Rodrigues, que se tornou referência nacional em experiência do paciente e participou do videocast Papo da Saúde como convidada do presidente do SindHosp, Francisco Balestrin. A íntegra da conversa pode ser vista aqui
Pesquisa HCAHPS nos EUA
O episódio levou Kelly Rodrigues a reavaliar sua atuação e fundar a consultoria Patient Centricity Consulting, da qual é CEO hoje em dia, depois de uma imersão na Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, ainda em 2015. “Entendi como se fosse um chamado, dizendo que as coisas precisavam ser diferentes. Mesmo porque, não havia nada estruturado no Brasil”, contou Rodrigues. Em pouco tempo, ela se tornou uma das principais vozes em torno do tema, como se vê no livro “Experiência do Paciente – Como Criar, Implementar e Gerir um Programa de Excelência”.
Segundo Kelly Rodrigues, 41% dos norte-americanos escolhem uma instituição de saúde em função da experiência do paciente, utilizando como ferramenta o HCAHPS (Hospital Consumer Assessment of Healthcare Providers and Systems), que é uma pesquisa criada nos Estados Unidos para medir e comparar a qualidade dos serviços e a satisfação de pacientes dos hospitais responsáveis pelo atendimento aos beneficiários dos seguros públicos de saúde daquele país, o Medicare (maiores de 65 anos) e o Medicaid (pessoas de baixa renda ou com doenças crônicas). “Nos Estados Unidos, é o governo que promove essa pesquisa, remunerando as instituições de saúde de acordo com a avaliação de cada uma. Na prática, os pacientes aprenderam que podem contribuir para mudanças ao responder às questões e as instituições entenderam que as perguntas centradas nos pacientes servem como critérios de melhorias”, explicou Kelly Fernandes.
Acreditação e mudança cultural
A CEO da Patient Centricity Consulting concorda que a acreditação de saúde tem força para mudar o estado das coisas no Brasil, mas reconhece que o fato de não haver incentivos específicos por parte das autoridades públicas, sobretudo financeiros, retarda o processo. Francisco Balestrin vê a acreditação como ponto estratégico para melhorar a assistência em saúde no país. “Acreditação vê estrutura, processo e resultado. Qualquer instituição de saúde que faça isso provavelmente tem mais qualidade do que as que não fazem”, defendeu o presidente do SindHosp durante o bate-papo.
Alinhado com as premissas de acreditação, Kelly Rodrigues desenvolveu um método que permite às empresas olharem de modo dedicado para a experiência do paciente, algo que vai muito além da satisfação pura e simples. De acordo com a consultora, o método está escorado em três pilares: segurança e qualidade assistencial, cuidado centrado no paciente e excelência na jornada. “Ou seja, não adianta estender um tapete vermelho e causar eventos adversos, assim como não adianta ter um cuidado seguro se não houver um cuidado coordenado, com todos os profissionais de saúde alinhados, e um cuidado personalizado, que diferencie um paciente do outro. Além disso, a instituição tem de olhar tanto para a jornada clínica como para a não clínica, buscando a fidelidade do cliente e melhorando a reputação da instituição junto à comunidade”, detalhou Kelly Fernandes. “Melhorar a experiência do paciente não é melhorar o índice de satisfação, nem fazer tudo o que o paciente e seus acompanhantes querem, trata-se de uma mudança mais ampla, que envolve uma cultura organizacional capaz de privilegiar o paciente, incluindo o cuidado com o colaborador, que é quem entrega a experiência ao paciente”.
Estatuto do Paciente
Durante o Papo da Saúde, Kelly Fernandes deixou claro que as instituições que quiserem permanecer no mercado têm de estar atentas às mudanças em curso. “Em breve, o Congresso Nacional deve aprovar o Estatuto do Paciente, que vai falar não só sobre direitos e obrigações, mas, também, trazer luz sobre coisas que estão sendo feitas apenas por instituições acreditadas. Temos uma relação muito assimétrica na área da saúde e isso só fica claro para os gestores quando eles se tornam pacientes. Existem coisas que são óbvias para os profissionais de saúde, mas não são para os pacientes. Por isso, o que resolve grande parte das questões é a comunicação em saúde: a comunicação fluida é a chave para melhorar a experiência do paciente”.
A estruturação de um plano estratégico de experiência do paciente começa com um diagnóstico. Kelly Fernandes explicou que, além das métricas que as instituições já têm, das clínicas às de satisfação, existem métodos qualitativos para se fazer essa avaliação, incluindo grupos focais e outras técnicas de pesquisa, observando a instituição de fora para dentro. “A sobrecarga e o corre-corre do dia a dia fazem com que as tarefas dos profissionais da saúde, que são bonitas, na teoria, tornem-se automáticas e impessoais, na prática. Nesse processo, o paciente e os familiares ficam de lado e os conflitos aparecem”, explicou a convidada de Balestrin no Papo da Saúde. “O importante é ter claro que todo mundo entrega experiência. É preciso que o trabalho envolva desde a área assistencial, passando por marketing e hospitalidade, até o pessoal de qualidade. Todos terão de trabalhar juntos com a área de governança com base no diagnóstico. No fim, a ideia é cuidar dos pacientes como se cada um deles fosse um ente querido, sempre com muito amor. Somente quem se diferenciar vai se manter competitivo”.
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