A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) se comprometeu a apresentar, em 60 dias, um documento com propostas concretas para regular e fiscalizar a saúde suplementar, com o objetivo de diminuir a quantidade de cesarianas realizadas na rede privada de saúde no Brasil.
A promessa foi feita durante audiência na Justiça Federal em São Paulo, realizada nos dias 6 e 7 de agosto, para tratar de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre o assunto.
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Esse é o primeiro avanço desde o início da tramitação do processo, há quatro anos. “A audiência foi muito produtiva porque o Poder Judiciário teve a oportunidade de ouvir e discutir a questão com diversos segmentos da sociedade. Ressaltou-se, em várias oportunidades, que mulheres e crianças estão morrendo em razão dos índices absurdos de cesarianas no setor privado”, destacou a procuradora da República Ana Carolina Previtalli Nascimento.
Para a procuradora da República Luciana da Costa Pinto, o compromisso assumido pela ANS de apresentar propostas foi uma importante conquista. “Esperamos que, em breve, o próprio órgão regulador, ou em sua falta o Poder Judiciário, possam atender os anseios da sociedade em garantir que, na decisão sobre o tipo de parto, sejam privilegiadas a saúde e a integridade física das parturientes e neonatos, e não apenas a conveniência dos profissionais envolvidos”, afirmou.
O MPF ajuizou a ação em 2010 ao constatar que o número de cesáreas em clínicas e hospitais privados no Brasil é muito maior do que na rede pública.
Mais de 80% dos nascimentos foram por cesárea
De acordo com os Indicadores e Dados Básicos (IBD) 2012, do Datasus, a porcentagem de partos mediante ato cirúrgico no país alcançou 53,88%. Em estabelecimentos credenciados por planos de saúde, segmento pelo qual a ANS é responsável, esse número é superior a 80%.
Alguns hospitais chegam a registrar índices acima de 90%. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o patamar aceitável de cesarianas é de 15% do total de nascimentos.
Diversos estudos já comprovaram os riscos envolvidos com a realização de cesáreas, a começar pela maior chance de morte materna e fetal. Ainda que bem-sucedida, a cirurgia pode trazer inúmeras consequências para o desenvolvimento da criança e aumenta a probabilidade de complicações para a mãe, como hemorragias e necessidade de retirada do útero (histerectomia).
Durante a audiência, a professora da Faculdade de Saúde Pública da USP Carmen Simone Grilo Diniz ressaltou que atualmente já se sabe da maior incidência de doenças crônicas em crianças e adultos relacionadas às cesarianas, entre elas diabetes, distúrbios respiratórios graves e obesidade. Porém, segundo a professora, essas informações não são expostas às gestantes quando são orientadas sobre as opções de parto.
Público e privado
Um dos fatores que explicam a maior ocorrência de cesarianas no sistema privado é o modelo de atendimento e remuneração. O médico escolhido pela gestante geralmente é o responsável por todo o acompanhamento desde o início da gravidez. Ou seja, forma-se um vínculo entre a mulher e o profissional até o momento do parto. Com isso, em casos de nascimento natural, muitos ginecologistas consideram inconveniente a atenção que precisam dar às mulheres nos estágios finais da gestação, pois devem estar disponíveis para o início do trabalho de parto a qualquer instante, com possibilidade de o ato durar 12 horas ou até mais.
Por outro lado, ao indicarem a cesariana, os profissionais podem agendar o procedimento de acordo com sua disponibilidade. Além disso, a cirurgia é mais rápida, e por isso mais rentável: os médicos conseguem realizar diversas intervenções em um mesmo dia, recebendo do plano de saúde, por cada parto, o equivalente a um único parto normal que fariam.
No sistema público, ao contrário, os profissionais de obstetrícia trabalham em regime de plantão, e as gestantes são atendidas pelas equipes que estão cumprindo horário quando se inicia o trabalho de parto. Portanto, se não houver riscos que demandem a cesárea, a mulher pode dar à luz naturalmente, pois a imprevisibilidade e o tempo de que necessita não são “contratempos” para o corpo clínico que vai acompanhá-la.
Normas
Desde 1998 o Ministério da Saúde expediu diversas normas regulamentadoras que possibilitaram a redução do número de cesarianas no âmbito do SUS. Já a ANS limitou-se a ações de esclarecimento e conscientização sobre os riscos da realização indiscriminada do procedimento, sem resultados concretos que levassem à diminuição da quantidade de cirurgias na rede particular.
Para reverter esse cenário no setor privado, o MPF pede na ação que a ANS seja obrigada a expedir regulamentações que induzam à realização de partos normais em atendimentos vinculados a operadoras de planos de saúde. Uma das exigências a serem impostas aos planos é o fornecimento aos clientes dos percentuais de cesarianas e nascimentos normais efetuados por médicos e hospitais credenciados, para que as mulheres tenham acesso à informação e possam optar por serviços médicos que possibilitam efetivamente o nascimento natural.
Outras obrigações são o estabelecimento da remuneração de honorários médicos significativamente superior para partos normais em relação às cesarianas, o cadastro em unidades privadas de saúde de enfermeiros obstétricos e obstetrizes para acompanhar os partos, a criação de indicadores e notas de qualificação sobre a redução do número de cesáreas e adoção de práticas humanizadoras do nascimento.