Haverá menos dinheiro para a saúde em 2017. Como primeiro ato após ser empossado, o presidente Michel Temer encaminhou ao Congresso sua proposta de Orçamento para 2017. O valor de recursos para a saúde deverá cair – o governo prevê inflação de 7,2% neste ano, e o documento propõe reajuste abaixo disso, de 6,9%. O valor destinado à saúde deverá pular dos R$ 112 bilhões previstos em 2016 para R$ 120 bilhões. Apesar do aumento em termos absolutos, essa projeção levaria a um corte de recursos.
Com o anúncio, o gasto federal com saúde acumulará três anos consecutivos de queda. Em 2015, apesar de o Orçamento ser maior, gastou-se menos com a área que em 2014 – R$ 106 bilhões em comparação aos R$ 108 bilhões do ano anterior. Espera-se que o mesmo aconteça em 2016. Em fevereiro, o governo bloqueou R$ 2,5 bilhões do orçamento destinado para a saúde, como forma de controlar os gastos da União. O valor já era menor que o programado para o ano anterior – em 2015, o governo previra gastos de até R$ 121 bilhões (e gastou R$ 106 bilhões).
O encolhimento do PIB, que ocorreu em 2015 e se repetirá em 2016, não facilita explicar o recuo, porque o gasto com saúde no Brasil em relação ao tamanho da economia já é menor que o ideal e inferior ao de alguns países em desenvolvimento.
O gasto público com saúde, no Brasil, é de responsabilidade das três esferas de governo – da União, dos estados e dos municípios. Em 2014, essas três esferas, juntas, investiram em saúde o equivalente a 3,8% do PIB. Essa taxa de investimento posiciona o Brasil na rabeira de outros países da América Latina, como Colômbia e Equador – neles, o investimento público em saúde correspondeu, respectivamente, a 5,4% e 4,5% do PIB em 2014. O investimento público brasileiro também fica aquém daquele feito por países onde existem sistemas de saúde universais semelhantes ao do Brasil. O sistema brasileiro recebe menos investimentos que o da França e do Reino Unido.
A tendência de cortes preocupa. A Constituição brasileira garante que todo cidadão tem direito à saúde. Por isso o Brasil conta com um sistema de saúde público e universal. Mas os recursos públicos destinados à área vêm sendo insuficientes para cumprir a promessa constitucional (também porque, graças à tendência da judicialização, cidadãos com bons advogados conseguem obrigar o SUS a bancar tratamentos caros).
Em 2014, segundo os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil gastou US$ 947,40 para custear a saúde de cada cidadão durante o ano todo. Menos da metade desse valor – 46% – foi financiado pela esfera pública. Os outros 54% correspondem a gasto privado. “Não é o bastante para garantir saúde para todos”, diz Mauro Ribeiro, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), referindo-se ao gasto do setor público. “Historicamente, o sistema brasileiro é subfinanciado.”
A comparação com outros países é limitada – segundo a economista especializada em saúde Maria Cristina Amorim, professora da PUC-SP, os tipos de gastos em saúde variam a cada país, porque varia o perfil epidemiológico das populações (os tipos de doenças mais comuns entre elas) e o preço pago por equipamentos médicos. Ainda assim, os cortes no Orçamento brasileiro preocupam porque a pressão sobre o sistema público de saúde deverá aumentar ao longo do próximo ano: “A taxa de desemprego aumentou”, diz Maria Cristina. “Com isso, aumentou também o número de pessoas que deixou de usar planos de saúde – e que passa a recorrer ao sistema público.” Até o final do ano, segundo cálculos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), cerca de 2 milhões de brasileiros deixarão de usar a saúde suplementar – e terão de recorrer ao SUS. Em 2017, a saúde brasileira ainda terá de lidar com problemas recorrentes – como a epidemia de dengue – e com males novos – como as epidemias de zika e chikungunya. A demanda pelo sistema público vai crescer.
O desafio dos governos federal, estaduais e municipais está em descobrir como equilibrar as contas públicas e incentivar o investimento complementar do setor privado. “Simplesmente não há dinheiro [nos governos]”, diz o economista Paulo Furquim, coordenador do Centro de Estudos em Negócios da faculdade Insper. “A queda na saúde é relativamente menor que em outros setores, e esse é o lado cheio do copo. O lado vazio do copo é que esse montante, mesmo sendo um setor que foi menos afetado que os outros, ainda é insuficiente diante da demanda crescente por atendimento em saúde pública”, afirma. Segundo Furquim, o Brasil gasta com saúde o equivalente a 10% do Orçamento da União. “Não é pouco”, diz Furquim. É um percentual semelhante ao destinado por países como França e Alemanha. Ainda assim, vem se mostrando insuficiente para as necessidades da população.