Suicídio deve ser tratado como questão de saúde pública

OMS estima que 90% dos casos podem ser evitados quando há oferta de ajuda

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Ao ano, quase um milhão de pessoas morrem em decorrência de suicídio. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o ato está entre as dez causas de morte mais frequentes em muitos países do mundo. No Brasil, são registradas 10 mil mortes por ano, com uma taxa de 4,8 a cada 100 mil habitantes, em 2008. Depois destes dados, podemos pensar o suicídio como uma questão de saúde pública? Especialistas na área de saúde mental defendem que sim. E acreditam que esses números podem diminuir se aumentarem os debates sobre o assunto. É o que faz a Fiocruz, por meio de pesquisas, projetos e capacitações. Profissionais de diversas áreas buscam desmitificar esse tabu e oferecer um melhor acolhimento a quem busca ajuda no Sistema Único de Saúde.
 
A troca de informações sobre suicídio pode ser muito útil para diminuir esses índices. A OMS estima que 90% dos casos podem ser evitados quando há oferta de ajuda. Em geral, seis meses antes de consumar o ato, pessoas com pensamentos suicidas procuram ajuda com profissionais, em especial em clínicas médicas. Esta constatação, feita pelo Grupo de Pesquisa de Prevenção do Suicídio (PesqueSui/Icict/Fiocruz), questiona o atendimento primário à saúde. “Quem já tentou o suicídio tem um risco ainda maior. Toda tentativa precisa ser olhada com atenção”, diz a psicóloga Clarice Moreira Portugal, pesquisadora no grupo.
 
O PesqueSui realiza estudos sobre suicídio e ideação suicida, o uso de emergências psiquiátricas pela população e métodos de educação em massa sobre saúde mental. Em 2012, o grupo lançou o livro Trocando seis por meia dúzia – Suicídio como emergência do Rio de Janeiro, organizado pelo pesquisador Carlos Estellita-Lins. A obra relata o atendimento, nas emergências dos hospitais da cidade, a pacientes que tentaram se matar. Estellita diz que entre as principais dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde no atendimento desses casos no Brasil estão a precariedade na formação em urgências psiquiátricas e em suicidologia. “Precisamos admitir que o suicídio é uma questão que diz respeito a todos os profissionais de saúde. Todos nós devemos buscar capacitação profissional para lidar com isto”, afirma.
 
Nos últimos 45 anos, as taxas de morte por suicídio tiveram aumento de 60% no mundo, como mostra a OMS, ficando entre as três causas de morte mais frequentes em populações de 15 a 44 anos, em alguns países, e a segunda maior causa em grupos de 10 a 24 anos, em outras regiões. Nas populações brasileiras, houve um crescimento de suicídio entre os jovens, idosos, além de uma interiorização dos casos. Em 2008 foram registrados altos índices nas regiões de Amambaí e Paranhos, ambos no Mato Grosso do Sul: 49,3 e 35 casos de suicídio por 100 mil habitantes, respectivamente, segundo o DataSUS – Banco de dados do Sistema Único de Saúde. Em Ibirubá (RS), 34,5. Já Nova Prata do Iguaçu (PR) está em 15º lugar no Brasil, com 24,7 casos. Em Mato Grosso do Sul, as comunidades indígenas tem taxas bem elevadas. No Rio Grande do Sul a incidência é maior em comunidades de colonos ou aquelas ligadas à indústria fumageira.
 
Essas são as informações registradas. Mas o que acontece muito é a subimputação e mesmo subregistro dos óbitos. Ao examinar no DataSUS as mortes por causas externas o PesquiSui verificou uma ampla fatia de óbitos não especificados. É possível que mais de 20% destes sejam suicídios não investigados ou deliberadamente subtraídos no preenchimento do atestado.
 
‘Falar sobre suicídio não provoca o suicídio’
 
Por ser um tabu, existem limitações para abordar o tema. Na tentativa de evitar mais casos, o Ministério da Saúde propos, em 2005, a Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio, a qual cria grupos de trabalho, diretrizes nacionais, seminários, além do Manual de Prevenção do Suicídio para Profissionais das Equipes de Saúde Mental, lançado em 2006. Entre as ações da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), um manual de imprensa esclarece jornalistas sobre termos específicos e traz um panorama com dados e informações gerais que permitem uma compreensão mais adequada da saúde mental; e uma outra publicação, o livreto Comportamento suicida: conhecer para prevenir, orienta profissionais da imprensa sobre como abordar o tema, preservando o direito à informação e contribuindo para a prevenção.
 
“Falar sobre suicídio não provoca o suicídio”, diz a especialista em saúde mental Maria Fernanda Cruz Coutinho, que também integra o PesqueSui. “Colocar a questão em pauta na mídia, nas escolas e instituições permite que se converse mais sobre isto. É preciso fazer circular, de modo global, informações a pacientes, familiares e profissionais da saúde”, reforça.
 
Além do PesqueSui, na Fiocruz, outras iniciativas desenvolvem trabalhos e projetos estratégicos em saúde mental para capacitar profissionais da saúde, qualificar o campo de pesquisa e fortalecer políticas públicas de saúde, de direitos e do cuidado integral em saúde mental e de campos relacionados. Dentre estes podemos citar o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental (Laps), vinculado à Escola Nacional de Saúde Pública e o Grupo de Trabalho em Saúde Mental, que fica na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), dentro do Laboratório de Educação Profissional em Atenção à Saúde (Laborat). A pesquisadora Nina Soalheiro, associada aos dois grupos, ressalta que a atenção básica, enquanto porta de entrada da rede pública de saúde, “pode e deve identificar os sinais, a gradação do sofrimento, as características que o paciente com tendência suicida apresenta, seja por meio de pensamentos de desesperança, desespero ou desamparo”. Nina coordena o curso de especialização técnica de nível médio em saúde mental na Escola Politécnica, que, assim como o curso de especialização do Laps/Ensp, coordenado pelo professor Paulo Amarante, inclui em seu currículo a discussão sobre o suicídio como um problema e uma desafio para a saúde pública.
 
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