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TEA exige debates e soluções consensuais

Nos últimos meses, reportagens e artigos sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) passaram a ocupar com frequência os noticiários. Os motivos oscilam entre os direitos dessas pessoas, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, o cancelamento de planos de saúde coletivos ou por adesão que tinham como beneficiários portadores deste transtorno, até a recente denúncia feita ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania por associações que representam esses pacientes questionando a quantidade de horas de terapia. Segundo documento entregue à ministra Macaé Evaristo, o excesso de terapêuticas representa uma violação aos direitos humanos e seria “uma forma moderna de regime manicomial”.

TEA, segundo a literatura médica, “é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por irregularidades na interação social e reações atípicas a estímulos do meio”. O termo “espectro” quer dizer que há diferentes níveis de gravidade do transtorno, portanto, as intervenções devem ser elaboradas atendendo às necessidades de cada portador.

Segundo o Center for Disease Control and Prevention (CDC), em 2000, uma em cada 150 crianças de 8 anos de idade era diagnosticada com TEA nos EUA. Em 2023, o estudo do CDC mostra que esse número subiu para uma em cada 36 crianças, o que significa que 2,8% dos estadunidenses têm autismo. No Brasil não existem estatísticas oficiais, mas, se fizermos uma projeção a partir do estudo do CDC, chegaremos ao número de 5,9 milhões de autistas no país.

A Lei nº 12.764, de 2012, garante a esses indivíduos, entre outros direitos, o acesso a ações e serviços de saúde. Outras regulamentações foram publicadas a partir de 2021, como a Linha de Cuidado para Crianças com TEA, a integração do transtorno à Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência e a Resolução nº 539, da ANS, que regulamenta a cobertura obrigatória de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos para o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de TEA.

Apesar das iniciativas, pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e da PUC-SP revela que as negativas de cobertura para tratamento de autistas lideraram o número de processos na Justiça paulista contra as operadoras de planos de saúde no ano passado. Paralelamente, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) alega que os custos com tratamentos do TEA superaram, em 2023, os gastos com oncologia. Por fim, levantamento da ANS, entre janeiro e agosto deste ano, mostra que foram feitas mais de 10 mil reclamações no órgão relacionadas a tratamentos de crianças de até 12 anos com TEA.

O tema, como exposto, necessita de amplo diálogo e de soluções consensuais. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania já divulgou que fará uma audiência pública e irá instaurar uma câmara técnica sobre o assunto. Para assegurar os direitos dos pacientes, o importante equilíbrio econômico-financeiro dos contratos com as fontes pagadoras e o acesso ao tratamento pelo SUS, é fundamental que as partes envolvidas participem das discussões dispostas a negociar e encontrar desfechos favoráveis para todos os envolvidos, lembrando que “não se pode apertar mãos com os punhos fechados”, como ensinou Indira Ghandi.

Francisco Balestrin

Presidente do SindHosp  

Artigo publicado na edição de setembro/24 da revista LaborNews.

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Saúde suplementar também faz parte do SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior sistema de saúde do mundo. A estrutura e capilaridade que possui pelo extenso território nacional merecem ser enaltecidas. Graças à infraestrutura de atenção primária e ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), o país conseguiu, nas últimas décadas, controlar doenças imunopreveníveis, como difteria, coqueluche, sarampo, caxumba, rubéola, febre amarela, entre outras. Recentemente, a pandemia da Covid-19 deixou mais evidente a importância do SUS para a sociedade.

Ainda que muitos não enxerguem dessa forma, a regulamentação da saúde suplementar, vinda com a Lei nº 9.656, em 1.998, é outra conquista do sistema de saúde brasileiro. O setor suplementar responde, atualmente, pela assistência a 51 milhões de usuários, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ou 25,1% da população. Isso significa que um quarto dos brasileiros não dependem exclusivamente do SUS, ainda que todos os cidadãos tenham direito e utilizem os serviços de promoção, prevenção e vigilância sanitária. Com os desafios econômicos que se apresentam para o Brasil e o estrangulamento orçamentário dos entes federativos (União, Estados e Municípios), alguém acredita que o SUS seria capaz de absorver essa demanda de milhões de indivíduos?

A saúde suplementar é um pilar assistencial importante e desempenha papel imprescindível para o Estado, que pode priorizar o desenvolvimento de políticas sociais e de saúde dirigidas aos mais necessitados. Além de contribuir para que a assistência pública não fique ainda mais sobrecarregada, a saúde privada é inovadora em sua essência e dispõe de uma infraestrutura tecnológica e de qualidade comparável aos maiores e melhores centros de saúde mundiais.

Frente aos recentes problemas envolvendo as operadoras de planos de saúde e amplamente noticiados pela imprensa, como o cancelamento unilateral de planos, o Ministério da Saúde, como representante do Executivo federal, precisa urgentemente voltar sua atenção para este setor fundamental para o SUS e para parcela significativa da população. Já passou da hora de pensar alternativas que aumentem a integração entre esses dois elos do sistema, garantindo maior acesso, qualidade e resolutividade.

Único é sinônimo de singular. Portanto, discursos sobre sistema público e/ou privado de saúde não cabem nesse conceito e na realidade brasileira. A construção de um país mais saudável exige um esforço contínuo de avaliação, reestruturação e mudanças de rota. Por isso, é preciso enaltecer os pontos positivos, identificar os problemas e trabalhar para que os setores público e privado garantam, juntos, um sistema de saúde mais inclusivo, equânime e sustentável para os brasileiros.

Francisco Balestrin

Presidente do SindHosp

Artigo publicado na edição de Julho/2024 da revista LaborNews. Clique aqui e acesse a íntegra da publicação.

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O surgimento e a expansão do ensino médico

Em fevereiro comemoramos os 216 anos da primeira Faculdade de Medicina do Brasil: a Universidade Federal da Bahia. Inicialmente chamada Escola de Cirurgia da Bahia, ela foi criada por Dom João VI, após a transferência da corte portuguesa para o país. Médicos eram profissionais raros no início do século XIX, por isso, o tratamento das enfermidades era majoritariamente feito por curandeiros, boticários e pelos chamados barbeiros-sangradores, que aplicavam a sangria (terapêutica reconhecida na época). Uma das primeiras preocupações do príncipe regente, portanto, foi formar cirurgiões. Sete meses após a abertura da primeira faculdade, é inaugurada, em setembro de 1808, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

A partir da sanção da Lei nº 14.621, em 2013, que instituiu a Estratégia Nacional de Formação de Especialistas para a Saúde no âmbito do Programa Mais Médicos, houve uma expansão do ensino médico no país. Das 41.805 vagas disponíveis todos os anos pelas 389 faculdades de Medicina existentes, 23.287, ou 55,7% do total, foram abertas a partir de 2014. 90% dessas novas vagas ocorreram em instituições privadas. Os dados são do estudo Densidade Demografia Médica no Brasil, lançado em 2023 pela Associação Médica Brasileira (AMB), Universidade de São Paulo (USP) e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Nas duas últimas décadas, que registra crescimento populacional de 27%, o número de médicos dobrou no Brasil. Atualmente são 562.229, o que dá uma média de 2,6 profissionais para cada grupo de mil habitantes, ou seja, proporção idêntica à do Japão e muito próxima da norte-americana (2,64) e da canadense (2,77). A meta do Ministério da Saúde, porém, é atingir 3,3 médicos por mil habitantes em dez anos, para equiparar o país à média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Por isso, e com o objetivo de fixar profissionais em áreas de vazios assistenciais, o órgão vem incentivando a abertura de novos cursos e vagas em Medicina.

Ainda que esse movimento quantitativo faça parte de uma estratégia governamental, é preciso primar pela qualidade da formação médica. Novas vagas para Residência Médica (RM) e maior financiamento para bolsas de estudo também precisam ser ofertados aos formandos. Em 2021, por exemplo, último dado disponível, a defasagem entre egressos de Medicina e vagas iniciais para RM foi de 11.770 vagas. Apesar de não obrigatória, a RM é internacionalmente reconhecida como a forma mais adequada para a formação de especialistas e é estratégica para a oferta de serviços qualificados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). São nesses programas, que podem durar de dois a cinco anos, dependendo da especialidade, que os médicos aprendem e treinam suas habilidades sob orientação de profissionais gabaritados e responsabilidade direta de universidades ou outras instituições credenciadas.

A grande poetisa Cora Coralina dizia que “todos nós estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo”. Que saibamos fazer as escolhas certas agora, para que não haja arrependimentos futuros.

Francisco Balestrin

Presidente do SindHosp e da Fehoesp

Artigo publicado na edição de fevereiro de 2024 da revista Labor News

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 Afinal, os cigarros eletrônicos devem ser regulamentados no Brasil?

Artigo do presidente do SindHosp, Francisco Balestrin, foi publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo em 2 de março de 2024

Um dos maiores estadistas do século XX, Winston Churcill, dizia que “construir pode ser uma tarefa lenta e difícil de anos, já destruir pode ser um ato impulsivo de um único dia”. Dependendo do resultado da Consulta Pública 1.222/2023, sobre os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), que expirou em 9 de fevereiro e contou com mais de sete mil manifestações, a sociedade e o sistema de saúde brasileiro correm o risco de perder décadas de trabalho e conquistas importantes na luta contra o tabagismo. 

            Os cigarros eletrônicos, ou “vapes” como são popularmente conhecidos, são proibidos no Brasil desde 2009. Mesmo assim, são encontrados facilmente no país, na internet, e têm conseguido seduzir o público mais jovem, graças aos sabores e aromas incluídos em suas composições. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que 17% dos adolescentes a partir dos 13 anos já experimentaram os vapes – 70% deles têm entre 15 e 24 anos. 60% dos que se declaram consumidores do produto nunca experimentaram um cigarro convencional. No país são cerca de 2,2 milhões de usuários, segundo o IPEC (Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica).

O Projeto de Lei 5008/2023, que tramita no Senado Federal, pretende regulamentar a produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e propaganda dos cigarros eletrônicos. O tema é polêmico. A indústria alega que os DEFs são menos nocivos à saúde. Estudo recente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), porém, mostra que alguns componentes químicos encontrados nas fórmulas desses produtos aumentam as chances de infarto, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e aterosclerose. Os que defendem a regulamentação, argumentam que a proibição fortalece o mercado ilegal, já que o produto é vendido livremente sem controle de qualidade e procedência. Já os que são contrários, entre eles a maioria das entidades médicas, acreditam se tratar de um retrocesso e que a liberação irá estimular o seu consumo.

Dos 35 países que compõem as Américas, 14 não possuem nenhuma regulamentação para os DEFs, 13 adotam medidas regulatórias para consumo total ou parcial e oito, entre eles Brasil e Argentina, proíbem a venda.  Os dados são da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Nas últimas três décadas, o Brasil implementou quase todas as estratégias preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) contra o tabagismo. Mensagens impactantes nas embalagens dos maços de cigarro e a obrigatoriedade de estamparem o Disque 136, serviço telefônico do Sistema Único de Saúde (SUS) de ajuda aos fumantes, proibição do fumo em locais fechados, da propaganda de cigarros em veículos de comunicação e do patrocínio de eventos esportivos e culturais, além de ofertar tratamento gratuito para quem deseja parar de fumar, são apenas algumas dessas medidas.

            As ações reduziram o consumo do tabaco em mais de 50% entre todas as faixas etárias. Atualmente, 9,8% dos brasileiros se declaram fumantes, segundo o Ministério da Saúde. Apesar do êxito nacional, os tabagistas ainda representam cerca de 20% da população mundial e consomem algo em torno de seis trilhões de cigarros por ano. Seis milhões de pessoas morrem anualmente no mundo em decorrência do tabagismo e mais 1,3 milhão por consequências da convivência com quem fuma, os chamados fumantes passivos. O Banco Mundial estima que as doenças ligadas ao tabaco consumam aproximadamente US$ 200 bilhões todos os anos.

             Que as evidências científicas e a saúde da coletividade saiam vencedoras desse debate. Pela facilidade para obter tais produtos, as autoridades sanitárias precisam agir com rigidez, antes que os hospitais, clínicas e laboratórios registrem aumento no volume de serviços por problemas relacionados ao tabaco. Isso terá impacto econômico-financeiro direto no SUS e na saúde suplementar. Cabe ao Estado, independentemente do resultado da Consulta Pública, a missão de educar, desenvolvendo campanhas de conscientização inteligentes, focadas principalmente no público mais jovem, e que elucidem os efeitos nefastos que esses dispositivos produzem para a saúde humana.  

Francisco Balestrin

Presidente do Sindicato de Hospitais, Clínicas, Laboratórios e Estabelecimentos de Saúde no Estado de São Paulo (SindHosp) e da Federação dos Hospitais, Clínicas, Laboratórios e Estabelecimentos de Saúde do Estado de São Paulo (Fehoesp)

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Opinião não é ciência

O Programa Nacional de Imunizações (PNI) brasileiro, que completou 50 anos em 2023, é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como referência internacional. Graças a ele, que oferece cerca de 45 diferentes imunobiológicos para toda a população, dos recém-nascidos à terceira idade, o país conseguiu erradicar a poliomielite e controlar doenças imunopreveníveis como difteria, coqueluche, sarampo, caxumba, rubéola, varicela, tétano, hepatite, meningites, febre amarela, formas graves de tuberculose, entre outras. Desde 2016, porém, o Ministério da Saúde vem registrando sucessivas quedas na cobertura vacinal, principalmente de crianças.

Em 2015, o PNI atingiu 97% de cobertura. Já em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19, esse percentual caiu para 75% e, em 2021, foi para 52,1%, ou seja, a menor cobertura vacinal das duas décadas anteriores. Se analisados os dados por Estados ou regiões, o problema ganha proporção ainda maior. Na Região Norte, por exemplo, dos sete Estados, quatro registraram cobertura vacinal na faixa dos 30% em 2021. Os dados são do Observatório da Atenção Primária à Saúde. Os motivos para essa queda, apontados por especialistas, vão do desconhecimento da população sobre a gravidade de algumas doenças, da necessidade de longos deslocamentos e da insegurança causada por notícias falsas (fake news), propagadas principalmente pelas redes sociais.

Dados preliminares do Ministério da Saúde, porém, trazem um alento: entre 2022 e 2023, oito vacinas do calendário infantil apresentaram aumento nas coberturas. Para crianças com um ano de idade, a cobertura vacinal de hepatite A passou de 73% para 79,5% no período; o primeiro reforço da pneumocócica foi de 71,5% para 78%; e a poliomielite alcançou 74,6% de cobertura, ante os 67,1% de 2022. Apesar da melhora, os percentuais ainda estão distantes da meta estipulada pelo Ministério da Saúde, de 95%.

Quando profissionais da saúde, autoridades e sociedade deveriam se unir para melhorar esse quadro, o Conselho Federal de Medicina (CFM) resolve lançar uma pesquisa para conhecer a opinião dos cerca de 560 mil médicos sobre a obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19 em crianças de 6 meses a 4 anos e 11 meses, que foi incluída no calendário oficial de vacinação. Sem um propósito “claro” sobre os objetivos da sondagem, um órgão de classe que deveria primar pela ciência e tem como missão “promover o bem-estar da sociedade”, adota um posicionamento político-ideológico e acaba prestando um enorme desserviço ao país, ao ir na contramão desse esforço nacional para impulsionar as campanhas de vacinação. Lamentavelmente, o CFM parece ignorar que os imunizantes passam por rígidos estudos clínicos, critérios técnicos e são embasados em dados científicos que comprovam sua segurança e eficácia.

Várias sociedades médicas, instituições de saúde e profissionais vieram a público se posicionar contra ações que levem a população a ter dúvidas sobre os benefícios da vacinação. Além disso, se vacinar é um direito garantido pela Constituição a toda criança e adolescente, portanto, não deveria ser objeto de questionamento por nenhum órgão de classe. Ciência não é questão de opinião, mas de fatos e evidências.

Francisco Balestrin

Presidente do SindHosp

Artigo publicado na edição de Janeiro de 2024 da revista LaborNews. Clique aqui e acesse a íntegra da publicação

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